O projeto de lei que fixou multa equivalente a 100 tarifas de ônibus para quem for flagrado pegando rabeira no transporte coletivo da cidade foi discutido na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) por mais de três horas e mobilizou mais da metade dos parlamentares. Ao todo, 25 vereadores e vereadoras se revezaram em plenário nesta terça-feira (6) para defender a urgência em dar uma resposta à população, após a morte do adolescente Lucas Vicente, registrada no dia 26 de abril. O jovem foi mais uma vítima de atropelamento, enquanto pegava “carona” em um ônibus, usando a sua bicicleta, na Linha Verde.
De um lado, um grupo de vereadores defendeu a necessidade da aplicação da multa para coibir a prática da rabeira e alertar aqueles pais que desconhecem que a infração tem sido cometida por seus filhos. Do outro, houve quem argumentasse que a proposta de lei, apesar de atender um clamor da sociedade, deveria ter um caráter mais educativo, e menos punitivo. A iniciativa foi aprovada em primeiro turno, com 33 votos favoráveis, e apenas 1 contrário e ainda precisa passar por uma segunda votação, amanhã (7), antes de seguir para sanção do prefeito Eduardo Pimentel.
Um dos autores do projeto de lei, Tico Kuzma (PSD), explicou aos pares que a primeira vez que tentou regulamentar a multa foi em 2019, e seu objetivo sempre foi não de punir, mas de prevenir, “porque cada vez que alguém agarra a traseira de um ônibus em movimento, está colocando sua vida em risco — e também a vida dos motoristas e pedestres ao redor”. Ele sinalizou que Lucas Vicente entrou para as estatísticas deste ano que já são preocupantes: entre 1º de janeiro e 27 de abril, foram 16 acidentes com ciclistas e pedestres nas canaletas, com 18 feridos e um óbito, o do adolescente.
“Os principais motivos de acidentes nesses espaços são ações proibidas: caminhar, correr ou pedalar na canaleta e pegar ‘rabeira’ nos veículos; além de desatenção, causada principalmente pelo uso do celular ou fones de ouvido; e atravessar a rua fora do local apropriado. Em março de 2023, o jovem Eduardo Good do Rosário pegava rabeira na avenida 7 de Setembro quando o guidão da bicicleta enroscou no ônibus. Ele sofreu uma queda e foi atingido por um biarticulado. Morreu aos 16 anos”, relembrou o parlamentar.
Motoristas de ônibus são impactados pela rabeira, alertam vereadores
Pier Petruzziello (PP) lamentou que a morte de Lucas Vicente tenha sido o motivo para que a CMC “acordasse” para a problemática da rabeira. “Todo dia a gente vê o fura catraca, a rabeira, o skatista, o cara da bike [usando a canaleta]. Aqui ninguém é contra a bike, contra o skate, contra a corrida. Eu também corro e já corri na canaleta no domingo. E não vou ser hipócrita. […] Agora tem o motorista na ponta, que é o mais sensível. É ele quem está ali dirigindo, e é ele que possivelmente não vai dormir à noite, quando acontece uma tragédia, além do pai e da mãe [que perde o filho]”, disse, ao chamar a atenção, também, para a saúde mental dos profissionais do transporte coletivo, que trabalham sob estresse.
Ao também defender a matéria, Renan Ceschin (Pode) reforçou que as canaletas não foram pensadas para outros modais, como as bicicletas, e nem criadas para a prática de esportes ou para “tirar fotos” – em referência à Rua do Outono, a rua Deputado Heitor Alencar Furtado, no bairro Mossunguê. “Canaleta não é lugar para carrinho de bebê, para pegar rabeira. Canaleta é lugar dos ônibus, é única e exclusivamente para uso do transporte coletivo”, acrescentou o vereador. Ele foi outro que se solidarizou com os motoristas de ônibus. “Eles enfrentam o trânsito todos os dias, o estresse, e por irresponsabilidade [de terceiros] acabam sendo vítimas da imprudência dessas pessoas, que não respeitam esse espaço.”
Mãe de um adolescente de 14 anos, Andressa Bianchessi (União) se solidarizou com a família de Lucas Vicente, ao afirmar que “adolescentes não são fáceis e que não podemos julgar esse pai, essa mãe”. Para ela, o pilar fundamental da segurança no trânsito é a educação e a conscientização e, ao comentar a cena que viu, de um skatista andando na canaleta com um cachorro, a parlamentar fez outro alerta: “o motorista está ali cuidando de seis retrovisores, cuidando da saída do ônibus, cuidando do pedestre. Às vezes é agredido verbalmente. E a gente precisa defender essa categoria que trabalha todo dia e que, com toda certeza, não quer que isso aconteça em nenhum lugar”.
“A prática da rabeira é cada vez mais frequente, cada vez mais comum entre os jovens, e já estava prevendo que uma tragédia ia acontecer”, respondeu Da Costa do Perdeu Piá, para depois ressaltar que o projeto de lei foi debatido na CCJ e “não é inconstitucional”. Pai de três filhos, dois deles adolescentes, ele enfatizou que sabe que os jovens pegam rabeira “para desafiar a lei”. “Eles sabem o que é errado. Não adianta falar para eles que é errado. ‘Ah, vamos colocar câmeras nos ônibus.’ Vocês acham que eles têm medo das câmeras? Eles filmam eles próprios e colocam nas redes sociais”, frisou.
O vereador Da Costa pontuou, ainda, que o trâmite foi célere, mas não foi um tratoraço. “Respeitamos os trâmites. Pensando no melhor para nossa cidade. […] O pai [do Lucas] diz que passa na rua hoje e vê a marca de sangue do próprio filho. Essas crianças não sabem o que estão fazendo e têm que ser punidas. Muitos dos pais não sabem que os filhos saem para praticar rabeira. A partir do momento que chegar uma multa, o pai vai tomar ciência e vai poder orientar, vai poder educar. É uma lei que visa proteger vidas e esta Casa tem que ser levada à sério.”
Líder do Governo no Legislativo, Serginho do Posto (PSD) analisou que o debate é difícil de ser feito, pois tem uma fatalidade como pano de fundo, mas a prática é proibida e isto precisa ser reforçado. “A lei, em determinados momentos, age com a força, com a condição de uma punição, no caso da infração, e ela tem este objetivo, que é pedagógico, mas também educativo, mas também acaba sendo punitivo”, destacou. “De fato, tínhamos que debater, em algum momento, este projeto. Houve adequações, houve mudança de entendimento com este substitutivo, e é bem provável que a lei tenha condições de prosperar e fazer com que mude esta realidade. Espero que seja uma lei que pegue”, concluiu.
Jasson Goulart (Republicanos) concordou com o vereador, sinalizando que a situação de Curitiba requer uma “medicação rápida, um tratamento efetivo para resolver esse problema”. “Talvez em 2019 [na primeira tentativa de Tico Kuzma de se aprovar a lei], se esse projeto tivesse sido discutido e aprovado pela Casa, muitos feridos poderiam ter sido poupados nas canaletas e pelo menos duas vidas teriam sido salvas [se referindo a Lucas Vicente e a Eduardo Good]. […] Neste momento temos que dar um basta nesta situação e depois vamos tratar de espaços públicos que possam ser utilizados por jovens, para que possam praticar suas modalidades.”
Outro a defender “veementemente” a multa para quem pegar rabeira foi Guilherme Kilter (Novo). “Não adianta educação, quando não há punição. Por que isso não acontece na Europa? Por que a lógica punitiva está sempre presente? Lá quem comete uma infração, um crime, sofre uma punição. […] Aqui, os jovens só vão entender o quanto é perigoso [pegar rabeira], quando perderem suas bicicletas, quando precisarem que os pais paguem as multas”, argumentou.
De acordo com Bruno Secco (PMB), as ações educativas só funcionam para “quem quer ouvir” e “infelizmente os jovens não querem ouvir”. “[Tem que ter] punição, tirar a bicicleta, aplicar multa para os pais. É assim que funciona. Tem que pesar no bolso, tem que perder a bicicleta. Antes perder a bicicleta, do que perder a vida.” Para o parlamentar, os ciclistas não têm que ficar “revoltados” com o projeto, porque a canaleta “não é lugar de ciclista”. “Canaleta é para ônibus, é para polícia, é para ambulância.”
Após também lamentar a dor das famílias que perderam seus filhos nesses acidentes, Carlise Kwiatkowski (PL) acrescentou que a lei aprovada pela Câmara de Curitiba só será efetiva se a conscientização sobre os perigos da prática for aplicada nas escolas, especialmente para crianças e adolescentes. A vereadora sugeriu que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) faça uma parceria com a Secretaria de Estado de Educação do Paraná (Seed), responsável pelas escolas públicas do 6º ao 9º ano, e do ensino médio, faixas etárias comuns aos jovens que pegam rabeira, para que o Estado atue nas ações de conscientização.
Angelo Vanhoni (PT) considerou que o projeto trabalha com a perspectiva de educar a cidade, mas observou que, na mobilidade urbana, “a vida é perigosa”, independentemente se está na canaleta ou transitando na calçada. E com base nesta observação, ele também propôs que a cidade promova uma campanha de prevenção sobre os riscos de pegar rabeira; e que sejam instalados, nos ônibus coletivos, câmeras traseiras para ajudar no monitoramento dos motoristas sobre possíveis acidentes.
“O projeto é extremamente importante, para que a gente possa começar a começar a combater esse tipo de prática. Mas, como profissional da área de educação, acredito que a gente precisa atuar em outras frentes também, além da punitiva. Por isso também apresentei um projeto que pode complementar o combate da prática à rabeira”, contou Olimpio Araujo Junior (PL), ao falar da proposta que visa instituir, na cidade o Programa Municipal de Prevenção de Acidentes com Ciclistas em Vias Exclusivas do Transporte Coletivo (005.00385.2025).
João da 5 Irmãos (MDB), por sua vez, informou ter apresentado uma sugestão ao Executivo para que seja implantada uma política pública permanente de educação no trânsito, com foco nas canaletas (205.00436.2025). “Às vezes não é só a rabeira. Há casos de atropelamento, de falta de atenção. A canaleta é exemplo mundial de transporte público, está completando 50 anos. Temos que dar uma resposta à população e, como diz, quando pesa no bolso, a conscientização é maior.”
“O que aconteceu serve para a gente ressignificar e buscar melhorias daqui para a frente, para que o pai do Lucas não tenha perdido o filho ‘totalmente gratuitamente’”, finalizou Delegada Tathiana Guzella (União), ao pedir apoio do plenário para que outros projetos voltados à segurança no trânsito sejam pautados com a mesma celeridade que este. A vereadora é autora, por exemplo, da matéria que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de dispositivos de segurança nos ônibus do sistema de transporte coletivo de Curitiba (005.00368.2025).